terça-feira, 13 de janeiro de 2009

São Lourenço da Barrosa não pode ser Portimão

Muitos historiadores dão como momento fundador da actual cidade de Portimão, a licença concedida por D. Afonso V, por carta de 4 de Agosto de 1463, a 40 moradores, para a fundação da população de São Lourenço da Barrosa.
Não querendo contrariar esses historiadores, até porque não tenho formação em história vou apresentar, para reflexão, um conjunto de dados que parecem contradizer essa certeza.
Vejamos:
No actual Município de Portimão foram encontrados vestígios de ocupação do período Neolítico (Alcalar), Fenícia (tanques de salga), Romana (Sítio da Abicada, Coca Maravilhas, além de vários topónimos de origem romana espalhada por todo o concelho).
Não querendo ir ao ponto de de confundir Portimão com a cidade de Portus Annibalis, fundada por Aníbal Barca, é um facto que o espaço actualmente acupado pela cidade de Portimão sempre teve ocupação.
Importa agora saber se essa ocupação era isolada ou acidental, ou se, pelo contrário, em algum ponto havia uma concentração urbana, permanente e organizada, que se chamasse Portimão ou com outro nome qualquer.
O documento mais antigo que descreve a foz do Arade é a Crónica do Cruzado Anónimo, feita na Conquista de Silves de 1189.
Nessa crónica, o Cruzado fala de Alvor e descreve a subida para o porto de Silves, dizendo: "No terceiro depois do meio dia avistámos em ruínas o castelo d'Alvor, situado sobre o mar, que os nossos tinham expugnado e outros lugares desertos, cujos habitantes haviam sido mortos em Alvor. Não longe d'ali entrámos no porto de Silves encontrando a terra optimamente cultivada, mas sem habitantes, por terem fugido todos para a cidade."
Não nos diz o cruzado, que não havia construções, antes pelo contrário, pois afirma que a terra estava sem habitantes por terem fugido todos para a cidade de Silves.
A falta de referência de uma povoação na foz do rio, poderá ter a ver com a sua pouca importância face a Alvor ou a Silves, mas não indica inexistência.
Mas o Cruzado diz-nos algo mais concreto sobre as povoações que foram conquistadas:
"Estes são os castelos de que os Cristãos se apoderaram depois da conquista de Silves: Carphanabal (Sagres), Lagus (Lagos), Alvor, Porcimunt, Munchite (Monchique), Montagud, Caboiere (Carvoeiro), Mussiene (Messines), Paderne."
Como vemos, o cruzado refere outras povoações menores que foram conquistadas após Silves, que não tinha referido antes, mas seguindo uma linha de ordem geográfica.
Se virmos, as povoações conquistadas foram: Sagres, Lagos, Alvor, Porcimunt (será Portimão), Monchique, Montagud (será Ferragudo), Carvoeiro, Messines e Paderne.
Duas localidades não estão devidamente localizadas, ou são alvo de discódia, uma é Porcimunt, a outra Montagud.
Para Porcimunt há quem apresente Portimão, ou Porches.
Na minha opinião só pode ser Portimão, pois o cruzado segue uma ordem geográfica e localiza Portimunt entre Alvor e Monchique. Depois apresenta Montagud e Carvoeiro.
Como se sabe, geográficamente Porches fica depois de Carvoeiro e não antes.
Antes de Carvoeiro, a povoação que mais se assemelha a Montagud é Ferragudo, com a agravante de se localizar na encosta de um monte, que é ponteagudo.
O facto de referir primeiro Porcimunt, seguido de Monchique e só depois Montagud, terá a ver, exactamente, com o seu cuidado em situar geograficamente cada uma das localidades conquistadas.
Temos, assim, razões para crer que Porcimunt seja a actual cidade de Portimão. Mas, se não quisermos aceitar as mesmas, outras há que indicam a existência de Portimão antes de 1463.
Uma delas é documental. O Foral atribuído à então Vila Nova de Portimão por D. Manuel I, faz referência a outro dado à mesma vila "por D. Afonso, que foi Conde de Bolonha", ou seja, pelo Rei D. Afonso III (1248-1279).
Deste modo, quando da conquista definitiva do Algarve já Portimão existia, com importância suficiente que justificasse a atribuição de um Foral.
Mais prova documental da existência de Portimão antes da fundação de São Lourenço da Barrosa, encontra-mo-la na Torre do Tombo, com indivíduos que aparecem como naturais dessa localidade.
De 26 de Abril de 1435 é um processo contra Vasco Peres, morador em Portimão, termo de Silves, onde era acusado de danificar colmeias.
De 10 de Julho de 1438 é, como consta na mensagem relativa à Carta de Brazão de Armas de Gil Simões, a atribuição do brazão a Gil Simões e ao seu irmão, naturais de Portimão.
Pelo menos estes 3 indivíduos, que terão nascido c. 1400, eram naturais da localidade de Portimão, mas teremos que acrescentar, pelo menos, os pais e familiares directos de cada um, sendo que Vasco Peres não terá nada a ver com a família de Gil Simões.
Temos, assim, comprovação documental da existência da localidade de Portimão antes de São Lourenço da Barrosa.
Outro dado relevante, surge no próprio pedido para a fundação de São Lourenço da Barrosa. Tal pedido é feito por 40 moradores do sítio de Portimões. Este Portimões será um plural de Portimão, ou o próprio nome da localidade mal escrito. Não raras vezes, até em assentos de baptismo mais recentes, os padres escrevem mal o nome das localidades, dando origem a enormes confusões.
Vejamos quem foram os 40 Moradores fundadores de São Lourenço da Barrosa:
(1) Pero Vaz, Arcediago da Sé de Silves
(2) Pero Vieira, Cónego
(3) James Annes, Cónego
(4) Gil Annes
(5) Nuno Mriz
(6) João de Faria, moradores da dita cidade [Silves], vassalos de el-rei
(7) João Affonso da Sovereira, Vassalo
(8) Gonçalo Mriz, Besteiro do Conto
(9) João de Portimão, Aposentado
10) Gomes Affonso, Cavaleiro Aposentado
11) João Annes Gazim, Aposentado
12) João Pequeno, Besteiro do Conto
13) Fernam Vaz, Criado do Infante D. Henrique
14) Affonso Roiz, filho de João Affonso Sovereira
15) Martim Annes, filho de João Gil
16) Vasques Annes da Sovereira
17) Pero Roiz
18) Martim Annes da Sovereira
19) Álvaro Annes Morino
20) Martim Annes Moreiro
21) João Vaz, filho de Vasques Annes
22) Gil Annes Gazim
23) Andres Annes, filho de João de Portimão
24) Álvaro Lourenço
25) Martim Vaz
26) Álvaro Gallego
27) Lourenço Bentes
28) Vasco Annes, filho de João Pires
29) João Pires
30) João Gliz
31) João Cavalleiro
32) Francisco Gil
33) João do Estreito
34) Gil Annes ( ) Arequino [deve completar o nome de Gil Annes]
35) João do Castello
36) Gil Cavalleiro
37) Lourenço Annes do Esteiro
38) João, filho de Vasco Pires
39) Ayres Gomes, filho de Gomes Ayres
40) Gomes Ayres
Como podemos verificar, entre os fundadores há um João de Portimão, que terá adoptado por apelido o nome da terra de onde seria natural, situação normal para a época.
No entanto, uma análise aos registos paroquiais, que na freguesia de Portimão começam em 1575, podemos verificar facilmente que a maioria dos apelidos destes 40 moradores se mantém 100 anos depois. Mas muitos outros há que não constam nesta lista que, por exemplo os processos do Tribunal do Santo Ofício referem, que aqui terão nascido cerca do ano 1500, como é o caso dos Gramaxo, ou dos Fernandes, cristãos-novos ou judeus que tiveram problemas com a Igreja.
Teriam estas famílias, na maioria dotadas de património, sendo que alguns eram mercadores, vindo para uma localidade que teve na sua base apenas 40 moradores?
Não me parece e os registos paroquiais também parecem não acompanhar essa teoria.
Em 1576 foram baptizadas em Portimão 64 crianças
Em 1577 foram baptizadas em Portimão 109 crianças
Temos assim, em dois anos, 163 crianças nascidas, ou seja, 163 casais capazes de procriar ao mesmo tempo.
No entanto, a população não era apenas constituída por casais em condições de procriar e nem todos os casais em condições de procriar tiveram filhos nestes dois anos.
Os assentos de baptismo fazem disso prova, pois apresentam uma série de padrinhos que não aparecem como pais, além de referirem pessoas que são solteiras, ou não podem ter filhos.
Por alto podemos dizer com alguma certeza que em Portimão, em 1575, haveriam pelo menos 250 casais em condições de procriar, ou seja 500 pessoas. Sendo o número de filhos elevado, haveriam mais de 500 crianças e não menos de 500 outros indivíduos velhos, solteiros, estéreis, ou vindos de outras localidades. Isto dá uma população de 1500 indivíduos, que a pecar será por defeito.
Um outro dado relevante sobre a estrutura social da época é dado pelos escravos. Entre 1576 e 1580 nasceram em Portimão 23 filhos de escravos, sendo identificados escravos homens e mulheres que, no total, rondarão os 50. É um número bastante significativo, o que demonstra uma posição social elevada das gentes da vila.
Poderia uma localidade fundada por apenas 40 moradores, sem uma outra base sólida já existente, sofrer tamanha mudança em apenas 100 anos, num período em que a população era rara, com uma taxa de mortalidade elevada e com muitos movimentos migratórios para as colónias?
Pessoalmente acho pouco provável, pelo que defendo que São Lourenço da Barrosa poderá ter ajudado ao desenvolvimento da localidade de Portimão, mas não foi a sua fundadora.

1 comentário:

  1. No jardim perto do estdio do Portimonense estao uns mapas muito interessantes de Portimao que abrangem varias epocas desde 1460 ate ao seculo XXI.No primeiro desses mapas pode-se ver na verdade que S. Lourenco a Barrosa era uma da localidades perto de Portimao. Tentei situar essa localidade no mapa de Portimao actual o que foi bastante dificil. Seria possivel encontrar mapas antigos de Portimao na Internet? Agradeco desde ja. hugo.fernandes75@gmail.com

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