Este trabalho resulta de uma investigação pessoal rara no nosso país, pois levou o autor a realizar pesquisas e entrevistas não só em Portugal como além fronteiras.
Pela consulta do Anexo relativo a acidentes e aterragens de emergência de aviões estrangeiros em Portugal e colónias 1939-1945, temos o nome dos tripulantes, a sua nacionalidade e a referência da sua morte ou sobrevivência no nosso país. Temos ainda o local do acidente ou da aterragem, sendo que dos 123 referidos 19 ocorreram no Algarve. Ao longo de toda a obra encontramos relatos dos incidentes e muitas fotografias da época.
Para um melhor conhecimento do conteúdo do livro, segue texto retirado de http://www.algarve123.com/pt/Artigos/3-51/Aterrem_em_Portugal!:
Carlos Guerreiro, actualmente jornalista correspondente da TVI, quis descobrir o rasto destes acontecimentos, muitos dos quais esquecidos na história contemporânea do país.
Tudo começou em 1993 com um artigo que escreveu sobre um pescador farense. Na longínqua e fria noite de Novembro de 1943, Jaime Nunes (entretanto já falecido) pescava a algumas milhas de Faro, quando ouviu um grande estrondo no mar.
Um PB4Y-1 (versão da Marinha do quadrimotor B-24 Liberator) desorientado despenhara-se com violência. A embarcação que costumava pescar corvina voltou a terra cheia, mas não de peixe. Jaime Nunes e mais dois pescadores salvaram a vida de seis aviadores americanos.
Inspirado, o jornalista decidiu procurar mais pistas, sobre esta e outras histórias passadas em Portugal. “Esta investigação não é académica. Foi nascendo, os objectivos foram evoluindo. Primeiro queria apenas saber as histórias dos sobreviventes. Mas depois, houve alguém que me enviou uma fotografia e fui juntando material”, durante cerca de uma década para o que viria a ser o livro.
Quando começou, “a investigação era lenta difícil e morosa. Enviava cartas que demoravam a chegar. Às vezes nem recebia respostas. Só quando a Internet se massificou em força, a partir de finais dos anos 90 é que as investigações se tornaram mais fáceis, pois descobri que havia muitos veteranos de guerra ligados à rede”, revela.
“Hoje em dia, a Internet é uma coisa muito generalizada, mas no princípio dos anos 90 ainda era quase experimental. Na altura, fiquei surpreendido por encontrar pessoas com idades superiores a 80 anos que a utilizavam com uma facilidade espantosa.”
Para além de algumas notícias antigas publicadas em jornais, algumas até censuradas pela máquina repressiva de Salazar, Guerreiro tinha poucas informações sobre quem eram os aviadores forçados a aterrar em Portugal.
Mário Canongia Lopes, investigador autor de «Os aviões da Cruz de Cristo», obra que identifica muitos dos aparelhos que aterraram em Portugal entre 1938 e 1945, deu uma ajuda preciosa ao jornalista.
“Muito deste livro é também dele. Nessa altura, ele já tinha consultado alguns arquivos ingleses e americanos e já tinha algumas informações. Para mim, o mais importante eram os nomes”, conta.
“Cada vez que eu descobria o nome de um tripulante de um avião, consultava as listas telefónicas na Internet e procurava todas as pessoas com um apelido igual. Se existissem 20 resultados, enviava 20 cartas iguais. Apresentava-me e explicava que no ano tal, tinha aterrado no meu país um avião com a pessoa tal a bordo, e se me podia contar algo sobre isso.”
A lista telefónica ajudava, mas nem sempre indicava um contacto de e-mail “ Havia meses que enviava 50, 60, 70 cartas. Quando recebia o ordenado, reservava logo uma parte do orçamento para selos”, diz. “Também coloquei anúncios em revistas e jornais que sabia que eram lidos por veteranos.”
Assim, “localizei não só os sobreviventes, mas também os familiares”. É o caso, por exemplo, de Novo Maryonovich, um piloto norte-americano cujo B-17 caiu numa aterragem forçada no mar perto de Sesimbra. “Foi um sobrinho dele que me respondeu. Enviou-me fotografias e até um diário”, conta.
A curiosidade foi o motor da investigação. Mas que mais aprendeu o jornalista no final? “Isso é uma excelente questão. Para além de ter ficado a conhecer melhor uma parte importante da História recente, acho que fiquei a conhecer um pouco melhor os portugueses desse tempo”.
Recorde-se que Portugal era um país muito rural, onde nunca houvera uma grande industrialização. Nesses anos, a guerra estava simultaneamente perto e longe.
O país estava cheio de espiões e estrangeiros em fuga da Europa a ferro e fogo. Por cá, a maioria da população dedicava-se à agricultura. O analfabetismo e a pobreza eram comuns.
Este facto surpreendia as tripulações, que a partir de certa altura eram internadas nas Caldas da Rainha e mais tarde em Elvas até serem repatriadas.
No entanto, a maioria dos aviadores recorda com carinho os dias passados em Portugal, o convívio com os locais e a tolerância das autoridades. Na cidade alentejana, há até quem guarde fotografias nos álbuns de família, dos muitos aviadores que por ali passaram.
Além disso, há outro facto interessante. Apesar do estatuto neutral e não-beligerante, e de vender volfrâmio e outras matérias-primas à Alemanha, Portugal era um país mais favorável à causa dos aliados. A diplomacia inglesa, já com fortes e antigas relações com o nosso país, tinha mais facilidade em evacuar as tripulações aliadas.
Pelo contrário, Espanha, que tinha acabado de sair da Guerra Civil, era simpatizante das forças do eixo. Talvez isso explique o facto de se conhecerem apenas 6 aterragens de aparelhos alemães em apuros em Portugal.
Aliás, o título do livro, com o verbo “aterrar” conjugado no imperativo reflecte isso mesmo. “Durante a guerra milhares de aviões passaram pelos céus de Portugal. O que aconteceu foi que existiu uma ordem, ou pelo menos, vários pilotos aliados me falaram disso, que se tivessem problemas durante o voo, aterrassem em Portugal”.
Guerreiro acrescenta - “aprendi a ter um respeito muito grande por todas as pessoas que entrevistei. Não é muito fácil, em muitos casos, conseguir que estas pessoas falem abertamente. Muitos viveram situações traumatizantes. Companheiros que morreram, problemas e dificuldades. Lembro-me de um senhor que nunca respondeu a uma carta que lhe escrevi. Mais tarde percebi porquê. Todos os companheiros que estiveram internados com ele em Portugal acabaram por morrer mais tarde em combate. Ele foi o único sobrevivente”, conta.
“Isto são coisas que obviamente marcam. E conseguir que as pessoas ganhassem confiança em mim, me enviassem documentos, tudo isso deu-me um ensinamento enquanto jornalista muito importante”, conclui.
Graças ao esforço do jornalista, quase setenta anos depois, o pescador farense foi recompensado pelo seu acto heróico pela embaixada norte-americana. Guerreiro até conseguiu, através de uma videoconferência realizada em 1999, reunir os protagonistas que a viveram.
E dois dos três tripulantes do avião aliado que aterrou de emergência em Serpa em 1943, e que já não se viam desde essa altura, há mais de 60 anos, acabaram por voltar a entrar em contacto.
“Espero que isto seja um princípio e que outras pessoas continuem nesta investigação”, conclui."